"The important thing is to realize that electric information systems are like environments in the full organic sense." Marshall McLuhan

4.25.2006

Os monstros de bolso

[nota: este texto data de Dez./99]

Uma saraivada de bombas cai sobre Pikachu. O pequeno murídeo amarelo responde lançando uma cortina de relâmpagos. Durante alguns segundos, o ecrã pisca numa vertiginosa miríade de cores. No dia seguinte, a notícia era já conhecida em toda a Aldeia: 700 crianças japonesas haviam sido hospitalizadas após a emissão deste episódio das desventuras de Pikachu e seus amigos. Tratava-se de uma série da Nintendo -- a conhecida marca de jogos, criadora do Game Boy -- cujo título era… "Pokémon".

...

Passam agora dois anos sobre os acontecimentos que ditaram o cancelamento momentâneo (quatro meses) da série e uma investigação levada a cabo pelo governo japonês. No Ocidente, os POcKEt MONsters, ou monstros-de-bolso, não eram mais que uma miragem misteriosa do país dos otaku. Mas hoje, os pokémons invadiram já a Aldeia.
Mais uma moda, dir-se-á. Mas uma comparação, mesmo empiríca, entre "Mutant Teenage Ninja Turtles", "Power Rangers", "Dragonball" (as sucessivas vagas mediáticas que vão cronografando as gerações e cujo brilho empalidece ao fim de dois ou três anos) e "Pokémon", revela algumas dissemelhanças talvez importantes.
...

A primeira é que, ao contrário das outras, os pokémons surgiram como um jogo e não como uma banda-desenhada, série animada ou, em suma, estrutura narrativa. Isto é, surgiram do lado da interactividade e da simulação e só depois buscaram a ficção. Este é um pequeno pormenor que articulistas e psicólogos -- chamados à frente de batalha sempre que o barómetro da popularidade atinge o pico -- parecem descurar. "Pokémon" apareceu, ao fim de seis anos de investigação, como jogo para o GameBoy cuja recompensa não é a passagem de níveis ou conquista de bosses per se, mas sim a obtenção de "pokémons". O jogo tem três versões -- Vermelho, Azul e Amarelo -- cada qual com pokémons diferentes. Para um não-otaku, é virtualmente impossível acumular todos os pokémons jogando as várias versões, pelo que "Pokémon" foi um dos primeiros jogos a realmente tirar partido da ligação por cabo entre aparelhos GameBoy (a ligação é igualmente eficaz por infra-vermelhos no mais moderno GameBoy Colour) estimulando a troca entre os fãs. Temos aqui o primeiro princípio definidor do "Pokémon": o da conectividade.
...

Veja-se o óbvio: o universo dos pokémons sugere que o gesto primordial é possui-los -- Gotta Catch 'Em All (com aviso de Trademark). Distintamente das tartarugas ninja mutantes, que são apenas quatro, e os power rangers, que são cinco, os pokémons são uma família de cento e cinquenta e um monstros, com mais cem anunciados para o ano 2000 (as versões Prata e Ouro). Conta a lenda que a Nintendo só tinha conhecimento da existência de 150 pokémons e que Satoshi Tajiri (já lá vamos) teria acrescentado um pokémon "secreto", que só pode ser obtido por quem efectua trocas. Ou seja, "Pokémon" recompensa a conectividade e, melhor, constrói mistério e culto em volta disso. Sobre esta plataforma, assenta um sistema de comportamentos que largamente ultrapassa os estimulados pelas tartarugas, rangers e a família Goku. Seguiu-se a série animada, o jogo de cartas coleccionáveis, o filme -- "Pokémon: The First Movie"; o que permite antecipar "the second movie", "the third movie", etc. -- que em dois dias de exibição nos Estados Unidos arrecadou algo como 25 milhões de dólares. Não vale a pena sequer mencionar as peças de merchandising entretanto produzidas e continuamente esgotadas. A marca foi levemente ocidentalizada (leia-se: anglo-saxonizada): Satoshi transformou-se em Ash, Shigeru em Gary, Zenigame em Squirtle. Uma tsunami -- ou uma barrage mediática -- que varreu Estados Unidos e Europa com um impacto perto do qual o célebre akmé-àme (ou lá o que seja) de Son Goku parece um simples espirro.
...

Perante tão grave perturbação ecológica, logo o universo "Pokémon" se viu a braços com graves perturbações homeoestáticas. Os inimigos naturais dos pokémons são uma espécie de mamíferos primatas chamados Adultos, providos de um instinto natural de protecção às suas crias. As crias destes Adultos, nascidas sob o signo da Interactividade, criaram uma complexa teia de relações em torno da pokémania que, como não podia deixar de ser, produziram alguns efeitos de teor dramático. Consta que numa escola de Long Island (Nova Iorque) um jovem de nove anos esfaqueou um colega por causa das cartas. Um outro, mais novinho, imprimiu cartas falsas a partir de um website.
...

Alguns psicólogos, não todos, produzem para os mass media pedaços de alarvidade pura, onde as palavras fanatismo e violência surgem ligadas. Outros ressalvam que, sendo os pokémons um fenómeno de posse numa sociedade profundamente materialista, é natural que as crianças copiem comportamentos adultos; versões juvenis do paradigma Wall Street? Exemplo da extrema desorientação face ao imediatismo e dimensão do fenómeno são as escolas que proibem a entrada de pokémons, como antes se proibiu a falta de tecido a cobrir certas partes do corpo ou o ensino da teoria da evolução. Um dos argumentos, citado pela revista Time, é de uma imbecilidade gritante: "as crianças que não têm pokémons sentem-se marginalizadas". Segue-se a proibição de roupas e ténis de marca e de crianças com altura acima da média nas escolas, para que não haja quem se sinta… marginalizado.
...

Satoshi Tajiri, hoje com 34 anos, é o resultado do vulgar adolescente suburbano assíncrono com a família e a sociedade. Na verdade, ele também um otaku. Antes dos baldios darem lugar aos centros comerciais e às arcadas (outro factor importante na vida do futuro criador de pokémons) Tajiri procurava insectos entre as ervas e debaixo das pedras e coleccionava-os. Quando vieram as escavadoras e as gruas, passou à consola do Space Invaders. Uma experiência explosiva que o levou a fundar a "GameFreak", uma revista de truques e cheats para jogos. É com a GameFreak que a Nintendo acaba por protocolar o desenvolvimento dos pokémons. E aqui emerge o outro dado mais interessante de toda esta história: apesar da Nintendo ter aceite o projecto de Tajiri e de lhe ter alocado alguns dos seus veteranos do GameBoy -- Shigeru Super Mario Miyamoto e Tsunekaz Ishiara -- confessa que não o entendeu realmente. Se o tivesse entendido, então a ideia de Tajiri não seria tão devastadoramente nova como o é, e o seu sucesso poderia ter sido medido por qualquer business plan. Sendo assim, e acreditando que o ciclo das gerações é impiedoso para com os heróis, mesmo os digitais, os pokémons acabarão extintos como um dia o foram os dinosáurios. Mas até lá, mais vale compenetrar-nos disto: eles reinam na Terra.

os poquémones em portugês

Pikachu e seus amigos -- os monstros-de-bolso da Nintendo para os quais se tornou ineficaz a escala de popularidade criada pelas tartarugas ninja mutantes, rangers de poder e super-guerreiros do espaço -- saltaram da consola portátil GameBoy e do seriado televisivo para o jogo de cartas coleccionáveis, hoje por hoje um dos passatempos mais apreciados por jogadores RPG em cura de desintoxicação, adeptos do Magic em descompensação competitiva e crianças em geral (classe na qual, modestamente, nos gostamos de incluir).
...

No Natal foi o que foi: não havia cartas para todos, e estas só em inglês. Mau para o negócio, mau para o jogador. Mas o problema já foi solucionado com o lançamento das cartas em português. Desde o mês passado, que estão disponíveis em Portugal quatro baralhos pré-construídos -- «Zap», «Blecaut» (adaptação livre, e brasileira, do termo inglês Blackout), «Incêndio» e «Supercrescimento» -- para além dos avulsos de cromos, de modo ao jogador completar colecção ou reforçar o seu baralho, e as caixas com dois baralhos reduzidos (só de 30 cartas contra as aconselháveis 60 por baralho) para uma introdução rápida ao jogo. Ao todo, são 102 cartas nesta primeira série, número que certamente crescerá a um ritmo infernal, tendo em conta a sua popularidade.
Este mês, será importada a expansão, em inglês, «Jungle» e, segundo a Devir, no próximo mês de Abril será então publicada a respectiva versão portuguesa (com o título «Selva»?)
Como em Novembro de 1999 já existiam (dados da Devir) cerca de meio milhão de cartas nas mãos dos jogadores portugueses, a massa crítica do jogo parece estar atingida, pelo que não faltarão parceiros/oponentes para uma degustação de monstros.
Com a estreia do filme «Pokémon: The First Movie» marcada também para o próximo mês (14 de Abril) a febre promete escalar.


teoria da evolução

Só os pokémons básicos podem entrar directamente para a mesa, sem qualquer outra limitação que o número máximo de um activo e cinco no banco. Uma vez na mesa, qualquer pokémon pode ser evoluído para uma forma superior, herdando esta os pontos de dano já atribuídos mas terminando todos os outros efeitos (paralisado, hipnotizado, etc.). Os pokémons evoluídos possuiem, obviamente, maior resistência e um maior leque de ataques possíveis, como se pode ver nesta imagem (o ciclo completo da evolução do Machop).


um jogo simples

Uma das grandes vantagens deste jogo -- e nesse aspecto dirige-se a um público mais infantil embora nós discordemos disso veementemente -- é a sua fácil mecânica. Existem apenas três tipos de cartas: energia (com a qual se pagam os ataques) treinadores (que permitem acções especiais como biscar cartas, retirar pontos de dano, trocar o lugar dos pokémons na mesa) e os pokémons propriamente ditos, dividindo-se estes em duas classes, os «básicos» e os «evoluídos» (estas só podem ser utilizadas se já possuirmos os pokémons básicos a que se referem).
Cada pokémon pertence a uma cor ou esfera energética particular -- água (azul), fogo (vermelho), erva (verde), relâmpago (amarelo), psique (roxo), força (castanho) -- que determina os seus poderes e também as suas vulnerabilidades. Há ainda alguns pokémons sem cor, que funcionam com qualquer tipo de energia e fazem jeito em qualquer baralho, de forma a os equilibrar.
Na mesa, há um pokémon activo -- o que irá atacar e defender conforme o turno -- e até cinco pokémons no «banco» (isto não é preciso explicar: é como no futebol ou a maioria dos desportos colectivos).
Cada jogador, na sua vez, bisca, pousa pokémons, utiliza treinadores e ataca. O outro fica a ver e leva porrada. Nada de mais simples, longe dos «rulings», erratas e outras dúvidas existenciais de outros jogos, nomeadamente o quase intratável Magic.

 

Photobucket - Video and Image Hosting My events (curator/producer):

>Projecto Ibérica (Lisbon + Madrid 1988, new video creation from the Iberian Peninsula show and conferences)

>Convention Zero (Lisbon, 1996, science-fiction and new media convention, w/ Derrick de Kerckhove, Olu Oguibe, Leo Ferreira and Industrial Light & Magic)

>Art+Technology=Multimedia (Lisbon, 1997, multimedia workshop, w/ Andrea Steinfl and RealWorld)

>Robotica Tribal, by Chico MacMurtrie and Amorphic Robot Works, S. Francisco (Lisbon, 1997, show and exhibition)

>Convention 1.0 (Lisbon, 1998, new media convention and Internet workshop for youths, w/ John Perry Barlow and Derrick de Kerckhove)

>Festival do Fim (Lisbon, 1999, new media and music festival, w/ José Bragança de Miranda, Coldcut, Ninja Tune et al)

>Oeiras Image Festival 02 - "Under Surveillance/Sob Vigilância" (Oeiras, 2002, new media festival, w/ Manuel De Landa, Geert Lovink, David Wood, José Bragança de Miranda et al)

>Oeiras Image Festival 04 - "Síntese/Syntesis" (Oeiras, 2004, new media festival, w/ Marcos Novak, Catherine Malabou, Olu Oguibe, José Bragança de Miranda et al)