Os jogadores (II)
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Também eu em tempos tive bolhas que se transformaram em calos quase permanentes. Mas noutro local: no limite da palma da mão, junto aos dedos. O jogo que as provocou é absolutamente
Existem uma série de pequenas diferenças -- para além das bolhas -- entre mim e o meu filho que a simples intuição permite descobrir. A primeira vez que vi o anúncio televisivo da GameBoy Camera achei a ideia fascinante. Um passo mais na entrega dos mecanismos de representação ao colectivo, após a disseminação das camcorders. Há umas sem
Pois eu no anúncio, nesse como em muitos outros, não vejo nada. Ou melhor, vejo marcas, apreendo mensagens. As quais rotulo de mnemónicas de sociedade de consumo e as trato como tal. O que eu vejo é um GameBoy, uma espécie de entidade registada. Não vislumbro pormenores. Mas a geração do Henrique é bem diferente na leitura da publicidade. Para eles, publicidade é informação útil.
Não se trata, porém, de qualquer fenómeno mecanicista. Em verdade, conheço poucas pessoas que, como eu, consigam ver 25 avos de segundo. As muitas horas passadas diante de uma mesa de montagem vídeo permitiram-me treinar a retina para ver um frame. Ou melhor, as linhas pares ou as linhas ímpares de um único frame. Onde os outros nada viam, eu descobria pequenos defeitos de montagem. Não se trata, pois, de uma questão de simples velocidade. É uma questão de percepção pura: os nativos aprendem com a publicidade a lidarem com os produtos da sua preferência.
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Jogar com o Henrique é também uma experiência estimulante no que diz respeito à(s) diferença(s) de percepção. O N2O, por exemplo. Para os que não conhecem o jogo deixem-me resumir: um túnel alucinogéneo povoado por insectos (o intestino grosso de Timothy Leary logo após a ingestão de Naked Lunch de William Burroughs, estão a ver o estilo) em cujo interior viajamos a alta velocidade, comandando uma nave que abre caminho aos tiros. Eu cá até consigo safar-me, pelo menos até ao sétimo nível. Mas utilizo uma táctica de absoluta brutalidade: vou disparando sobre tudo o que me aparece pela frente. O Henrique, contudo, consegue mudar de arma, conforme as conveniências. Com uma suavidade impressionante, ao contrário das minhas possibilidades, Eu, para mudar de arma, tenho que "sair" do jogo por alguns momentos. Sou obrigado a pensar, penosa e conscientemente, nos gestos necessários para efectuar essa acção. Invariavelmente, e pela velocidade estonteante a que o jogo se processa, "morro" tentando-o.
Pelo que anteriormente expliquei, acredito ver os pixéis melhor que o meu filho e os jogadores de arcada e consola. Contudo, o facto de ver melhor os pixéis não me permite reagir ao significado deles tão eficientemente quanto estes. Quando a cultura realmente acelera, falta-me processamento em paralelo. Falta-me a capacidade de entender a forma como cada pixel está condicionado pela existência dos outros e que significado isso encerra. Falta-me imersão e universo áudio-táctil.
Falta-me, enfim, o polegar vivo, autónomo e inteligente.
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