Tempo de clones, tempo de imagens
Muitas vezes se diz que esta ou aquela pessoa ainda não se encontrou.
Mas a pessoa não é algo que se encontra. É aquilo que se cria.
Thomas Szasz
No ciberespaço existe uma comunidade efervescente tão fértil em ideias quanto despojada de lei e ordem. Na expressão de Bruce Sterling, trata-se de um Oeste selvagem em processo de capitulação frente a colonos irredutíveis. Mas até agora onde primou o teclado e a escrita, a abstracção mais ou menos sincera da linguagem, instala-se uma nova era: a das imagens que originam os clones e os ambientes virtuais; que criam os duplos de moto próprio se ainda não de inteligência artificial; que prolongam a vida para além do mundo físico promovendo uma autêntica esquisofrenização da sociedade e exigem, assim, um novo milagre da Criação e os seus Mandamentos (os melhores exemplos, apesar de ainda imberbes, chegam-nos da área dos jogos online, como «Everquest» ou «Diablo II». Por agora, os clones desligam-se quando desligamos o programa; mas isso não tem, forçosamente, de assim ser).Mas a pessoa não é algo que se encontra. É aquilo que se cria.
Thomas Szasz
«O ciberespaço não é apenas uma nova tecnologia, mas uma nova forma de escrita e uma nova filosofia, pronta a conquistar o mundo, portadora de consequências económicas, sociais e culturais revolucionárias», afirmou Philippe Quéau. Penso que uma das mais interessantes consequências desta nova escrita revelar-se-á aos nível dos «comportamentos virtuais». Comportamentos esses que já não serão da exclusiva esfera humana tal como a entendemos (a crença é básica: um corpo habitado ou movido por um espiríto auto-consciente). Algoritmicamente dotadas de alguma liberdade de acção, serei eu responsável pelo mau comportamento e eventuais danos causados -- na esfera virtual -- pelas minhas extensões electrónicas, pelos meus clones? A lei e a ética terão de responder a estas questões rapidamente.
Mas implicações de um Ciberespaço habitado por imagens e andróides não se reduzem a problemas da moral, contaminam também um dos principais temas da actualidade: o design. Para lá da voracidade dos clones -- ou agentes inteligentes que nos representam -- em termos de largura de banda (e isto porque se supõe que venham a desempenhar uma série de tarefas que hoje em dia não são realmente realizadas no Ciberespaço) há outros factores a ter em conta e que virão a transfigurar completamente a actual paisagem da World Wide Web e dos media digitais em geral. Desenhar um website, p.e., para que este seja visto por olhos humanos é muito diferente de desenhar um website capaz de ser visto por programas de software inteligente.
O que agora está em jogo, já não são os prodígios técnicos por detrás destas imagens habitadas por inteligência e, quiçá, consciência. Sabermos que é apenas uma questão de mais ou menos tempo para que o cálculo computacional responda a todas as solicitações, desvia o espanto e a necessidade de saber para questões além da tecnologia. Temos agora que perguntar: como vamos ser no ciberespaço? quem seremos nesta nova esfera da existência, o mundo virtual?
As imagens já não fazem parte do mundo dos sonhos ou da imaginação: sonham-se a si mesmas; tornaram-se simulacro do que já era virtual; deram visibilidade a um mundo invisível; isto é, tornaram, enfim, real a sua essência imaterial e a sua natureza artificial. As velhas semiologias já não lhes servem, pois na vida virtual, as imagens serão os factos reais da percepção e experiência.
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