"The important thing is to realize that electric information systems are like environments in the full organic sense." Marshall McLuhan

4.23.2006

Big Brother is You, Watching *

Anos de chumbo e Guerra Fria legitimaram, política e socialmente, o armamento como elemento dissuador da guerra. O progresso tecnológico, aqui e ali colocado em causa por movimentos ecológicos sem audiência capaz, alicerçou-se nessa indústria e nesse programa político para crescer incólume e colocar o maquinal no centro da actividade humana. Sem guerra aberta, os mecanismos de vigilância tornaram-se tão importantes, ou mais, que os mecanismos de morte. E quando a guerra finalmente deflagrou, no Golfo, a informação era já a mais preciosa das armas.

Seguiu-se o novo mercado, agora tendo por protagonistas as grandes corporações, que nomeou a informação como o bem mais valioso da economia. De certa forma, poderíamos falar de uma liberalização total da informação.

Mas de que poderes foi ela libertada? Da lei dos Estados, da lei social e até da própria ética. Não será difícil encontrar hoje quem pense que a informação é, ou deve ser, tão livre como o ar que respiramos. Na verdade, é necessário libertar primeiro para depois (re)apropriar. Aqui, os movimentos cyberpunk ajudaram à concretização do mais impossível sonho do capitalismo tardio: a mutação do ser em dados manejáveis.
O cúmulo deste movimento libertador parece ter sido atingido em anos recentes com a morte de Diana e os reality shows: os mass media ridicularizam o direito à privacidade com o assentimento e participação activa do povo. Wahrol acertou na mouche.

A aquisição, registo e tratamento da informação parece estar inscrito no próprio programa da tecnologia e processa-se sem velocidade discernível. A extrapolação de sentido a partir dos dados adquiridos torna-se instantânea.

Para o homem, este sentido revela-se cheio de ruído e retroacção. Já não é uma mensagem humanista, mas uma visão da matriz maquinal, omnividente e omnipotente.
Dos satélites operados pelos grandes Estados às mini-câmaras dos supermercados e destas à invisível omnisciência das antenas GSM ou redes de pagamento automáticas, não parece existir, hoje, um refúgio no planeta capaz de nos ocultar de todos os olhares.
Dentro em breve, será naquele que consideramos o último refúgio da privacidade – a casa: o “nosso lar” – que enfrentaremos as maiores ameaças… potenciais. Dezenas de chips dentro das nossas casas, quando tudo estiver ligado a quase tudo, realizarão um trabalho de vigilância bem mais acutilante que qualquer polícia. O frigorífico pode vir a conhecer melhor os nossos hábitos de consumo que nós mesmos. E eu não estou seguro de que os electrodomésticos inteligentes sejam nossos amigos.

Também as primeiras peças de wearable computing, os tão populares telemóveis, podem, se para isso forem programados, revelar-nos a posição e movimentos em relação às antenas de cobertura GSM. A indústria e as operadoras confiam, aliás, na possibilidade de localização contínua do UMTS para oferecer toda uma série de novos serviços.

Por outro lado, a resolução das imagens de satélite não pára de crescer. Assim, torna-se possível vislumbrar desde grande altura elementos tão diminutos quanto uma figura humana. As aplicações desta informação são demasiado vastas para discriminar: estudo dos engarrafamentos, do comportamento das multidões em manifestações, a vigilância total desde um ponto de vista divino.

A tecnologia como superorganismo auto-regulador, e não a política, determina o livre fluxo da informação. Ignorando, por agora, a questão do controlo que está no cerne de todas as coisas (Quis custodiet ipsos custodes – quem vigia os vigilantes? -- como perguntava Juvenal) note-se que, ao contrário do que sugeriam o Panopticon de Jeremy Bentham ou a visão totalitária de 1984, eis-nos chegados a uma fragmentação dos olhares que vigiam e, consequentemente, a uma multiplicação dos agentes de vigilância. Qualquer pretensão de sacralidade do olhar foi extinta. À medida que a tecnologia nos embala e se torna invisível, o poder -- ou o controlo -- torna-se cada vez mais difuso. E isso torna-me paranóico. Violentamente paranóico.

(*) texto escrito para o catálogo do Festival de Imagem de Oeiras 2002, subordinado ao tema Sob Vigilância|Under Surveillance

Ligações:

José A. Bragança de Miranda
António Machuco Rosa
Manuel de Landa
David Wood
Paulo Cunha e Silva
Geert Lovink



 

Photobucket - Video and Image Hosting My events (curator/producer):

>Projecto Ibérica (Lisbon + Madrid 1988, new video creation from the Iberian Peninsula show and conferences)

>Convention Zero (Lisbon, 1996, science-fiction and new media convention, w/ Derrick de Kerckhove, Olu Oguibe, Leo Ferreira and Industrial Light & Magic)

>Art+Technology=Multimedia (Lisbon, 1997, multimedia workshop, w/ Andrea Steinfl and RealWorld)

>Robotica Tribal, by Chico MacMurtrie and Amorphic Robot Works, S. Francisco (Lisbon, 1997, show and exhibition)

>Convention 1.0 (Lisbon, 1998, new media convention and Internet workshop for youths, w/ John Perry Barlow and Derrick de Kerckhove)

>Festival do Fim (Lisbon, 1999, new media and music festival, w/ José Bragança de Miranda, Coldcut, Ninja Tune et al)

>Oeiras Image Festival 02 - "Under Surveillance/Sob Vigilância" (Oeiras, 2002, new media festival, w/ Manuel De Landa, Geert Lovink, David Wood, José Bragança de Miranda et al)

>Oeiras Image Festival 04 - "Síntese/Syntesis" (Oeiras, 2004, new media festival, w/ Marcos Novak, Catherine Malabou, Olu Oguibe, José Bragança de Miranda et al)